A Árvore, a convite da Câmara Municipal de Coimbra, organiza uma exposição de desenho e pintura de GRAÇA MORAIS, intitulada In sofrimento, a ser inaugurada no Museu Municipal - Edifício do Chiado, em Coimbra, no dia 13 de Dezembro de 2007, pelas 18.00 horas. Esta exposição sela o encerramento das comemorações torguianas que decorrem desde 17 de Janeiro de 2005.
"Passei o Verão fechada no meu atelier da Costa do Castelo, em Lisboa, a desenhar e a pintar com o objectivo de apresentar uma exposição inédita de homenagem a Miguel Torga, em resposta ao convite da Dra. Berta Duarte, dos Serviços Culturais da Câmara Municipal de Coimbra, para fechar as comemorações do centenário do nascimento do escritor.
As cabeças das mulheres que pintei mostram rostos de olhos fechados que meditam numa vida cheia de histórias e de sofrimento.
No tempo de Miguel Torga, nascia-se e morria-se em casa. No nascimento e na morte, são sempre as mulheres que estão presentes, desempenhando as tarefas mais difíceis, mais íntimas, mais sagradas, como a assistência aos partos ou o lavar e vestir dos mortos.
A minha escolha dos rostos das mulheres de idade avançada, cheias de saber e de experiência vivida, verdadeiras guardiãs da memória do tempo e duma cultura rural em rápida extinção, representa a minha identificação com o mundo de pessoas, de bichos, de paisagens naturais e humanas, de um espaço geográfico intensamente recriado por Miguel Torga.
Os retratos que iniciei a partir do rosto da minha mãe, transmutaram-se noutros rostos de mulheres, mulheres sem nome, deixando de ser retratos, para se transformarem apenas em desenhos e pinturas. Conheci Miguel Torga em 1986, em Coimbra, por ocasião da minha exposição “Mapas e o Espírito da Oliveira”, organizada a convite de Túlia Saldanha, no Círculo de Artes Plásticas.
Mais tarde, no início dos anos 90, visitei-o na sua casa em Coimbra a propósito de um projecto de livro, que nos foi proposto pelo ex-governador civil de Bragança, Dr. Júlio Carvalho.
Tratava-se, nada mais, nada menos, do que uma edição especial de “Um Reino Maravilhoso” com pinturas originais. Torga não queria uma ilustração do texto. Pediu-me para pintar grandes telas que representassem o meu “Trás-os-Montes” para se juntar ao seu texto. Lembro a hospitalidade, enorme simpatia e afabilidade de Miguel Torga, acompanhado de sua mulher Andrée Crabbé Rocha. Ofereceram-me a bôla de Vila Real e cerejas frescas de São Martinho de Anta. Durante a conversa, recheada de estórias de vida, interrompendo de tempos a tempos, dizia com um enorme sorriso: Coma cerejas, Graça… coma! Parecia um poema.
Só no ano 2000, depois de uma residência artística na minha região transmontana, é que finalmente surgiram as grandes telas a que chamei “Terra Quente-O fim do milénio” - Aí estavam as grandes telas que Torga desejava para o seu livro.
Finalmente em Setembro de 2002, foi editado pela D. Quixote, o nosso livro, “Um Reino Maravilhoso”, com apresentação em Bragança, no Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro.
É com enorme prazer que me associo mais uma vez a Miguel Torga, um escritor que desde a minha juventude me emocionou e me ensinou a valorizar o Local como espelho do Universal."
GRAÇA MORAIS
Lisboa, 21 Novembro 2007
13 DE DEZEMBRO DE 2007 A 3 DE FEVEREIRO DE 2008 - Museu Municipal - Edifício do Chiado, Coimbra Museu Municipal - Edifício Chiado Rua Ferreira Borges, 85 3000-180 COIMBRA Horário de funcionamento 3ª a 6ª - 10h00 às 18h00 Sábados e Feriados - 10h00 às 13h00 / 14h00 às 18h00 Domingos - 14h00 às 18h00 Encerra à 2ª
Um Reino Maravilhoso:
Sinopse
É um maravilhoso livro-objecto que junta dois vultos maiores da cultura portuguesa do século XX. Dois transmontanos de corpo e alma. O escritor Miguel Torga (natural de São Martinho da Anta) e a pintora Graça Morais (natural do Vieiro). O texto de Torga (que começa em jeito de fábula: “Vou falar-lhes de um Reino Maravilhoso”) foi proferido em 1941 num congresso sobre Trás-os-Montes; as pinturas de Graça Morais (49 no total) fazem parte das séries Terra Quente, AS Deusas da Montanha e Metamorfose. É um mundo fantástico, dos animais, da lavoura, das árvores, das gentes. Do granito, das serras, das montanhas. De um “sol de fogo” e “um frio de neve”. O maravilhoso reino da terra. Diz Torga: “O que é preciso, para os ver (estes mundos), é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade e o coração, depois, não hesite.”
Editor: Dom Quixote
Editor: Dom Quixote
ISBN: 9789722021258
Ano de Edição/ Reimpressão: 2002
N.º de Páginas: 100
Encadernação: Capa dura
Dimensões: 24 x 28 x 1 cm
Miguel Torga - Um Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes)
" Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite. Ora, o que pretendo mostrar, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe, como é dos mais belos que se possam imaginar. Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. E quem namora ninhos cá de baixo, se realmente é rapaz e não tem medo das alturas, depois de trepar e atingir a crista do sonho, contempla a própria bem-aventurança. Vê-se primeiro um mar de pedras. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus criador e dominador. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De repente, rasga a crosta do silêncio uma voz de franqueza desembainhada: - Para cá do Marão, mandam os que cá estão!... Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós? Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena: - Entre! A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso. A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Régua. Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição. Terra-Quente e Terra-Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados entre os rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta angústia. E de quando em quando, oásis da inquietação que fez tais rugas geológicas, um vale imenso, dum húmus puro, onde a vista descansa da agressão das penedias. Mas novamente o granito protesta. Novamente nos acorda para a força medular de tudo. E são outra vez serras, até perder de vista. Não se vê por que maneira este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá. Nas margens de um rio de oiro, crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo o seca, erguem-se os muros do milagre. Em íngremes socalcos, varandins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas. No Setembro, os homens deixam as eiras da Terra-Fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e trabalham. Depois sobem. E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo. A terra é a própria generosidade ao natural. Como num paraíso, basta estender a mão. Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde: - Entre quem é! Sem ninguém perguntar mais nada, sem ninguém vir à janela espreitar, escancara-se a intimidade duma família inteira. O que é preciso agora é merecer a magnificência da dádiva. Nos códigos e no catecismo o pecado de orgulho é dos piores. Talvez que os códigos e o catecismo tenham razão. Resta saber se haverá coisa mais bela nesta vida do que o puro dom de se olhar um estranho como se ele fosse um irmão bem-vindo, embora o preço da desilusão seja às vezes uma facada. Dentro ou fora do seu dólmen (maneira que eu tenho de chamar aos buracos onde vive a maioria) estes homens não têm medo senão da pequenez. Medo de ficarem aquém do estalão por onde, desde que o mundo é mundo, se mede à hora da morte o tamanho de uma criatura. Acossados pela necessidade e pelo amor da aventura emigram. Metem toda a quimera numa saca de retalhos, e lá vão eles. Os que ficam, cavam a vida inteira. E, quando se cansam, deitam-se no caixão com a serenidade de quem chega honradamente ao fim dum longo e trabalhoso dia. O nome de Trasmontano, que quer dizer filho de Trás-os-Montes, pois assim se chama o Reino Maravilhoso de que vos falei."
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