Mostrar mensagens com a etiqueta Exposições. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Exposições. Mostrar todas as mensagens

O Rosto do Medo



Por Sílvia Souto Cunha

Pinturas, desenhos, trabalhos em azulejo, contaminados pela realidade que todos contemplamos diariamente em jornais e televisões, eis a produção recente de Graça Morais, agora apresentada numa galeria cúmplice.

Guerras, refugiados, incerteza, violências várias, uma espécie de realidade expressionista, por assim dizer, são os temas com que a pintora se confrontou, assumindo uma postura cívica de não virar a cara - que, adivinha-se, estende até à folha de papel.

Veja-se o perturbador desenho a tinta da china, datado já deste ano, em que uma mulher tapa um dos olhos mas continua a ver a violência exercida por uma figura masculina, manápula em torno de uma ave indefesa.

A exposição O Rosto do Medo apresenta-se como um quase- manifesto, “um apelo à força e energia do Homem perante todos os desafios”. A mensagem é passada através de sete desenhos de pequena dimensão,11 pinturas (alternando acrílico, pastel, tinta-da-china, e carvão sobre papel) e ainda um conjunto de azulejos.

Em suma, todos os media familiares à artista, que não tem abdicado de uma visão lúcida sobre o mundo, mesmo quando este é observado a partir de geografias domésticas ou desses corpos de mulheres-medeias ou mulheres- -meninas. Entre a identidade mais chã e a desumanização contemporânea, a artista renova, aqui, a sua militância.

in Visão Nº1211 (suplemento), de 19 de Maio a 25 de Maio de 2016 (Edição em papel)

Graça Morais O Rosto do Medo na Galeria Ratton



Graça Morais
O Rosto do Medo
Azulejo, Pintura e Desenho sobre Papel

Foto Miguel Silva 2016


No momento em que se questiona o destino do planeta perante as imagens de caos e desumanidade que nos chegam todos os dias, a exposição da pintora Graça Morais, O Rosto do Medo, é um apelo à força e energia do Homem perante todos os desafios.

Ao longo da sua carreira, Graça Morais tem-nos surpreendido com o profundo equilíbrio entre a expressão das suas raízes, que cultiva com uma dimensão poética encantatória, e a lucidez da sua visão universal que assume com a consciência de uma responsabilidade ética sem concessões.

E em ambos os pólos nucleares da sua temática, é bem patente a autenticidade e a força emotiva manifestadas em cada obra, qualquer que seja o suporte e a dimensão, na composição, no desenho, na pintura, e até na ”narração” implícita que está presente em cada figura ou simples.

Graça Morais prossegue assim, através da pintura e do desenho, o seu diálogo com a Humanidade, apelando à consciência do tempo histórico que atravessamos e dos riscos que nos ameaçam.

A nossa permanente colaboração com a pintora Graça Morais, tem contribuído para um notável enriquecimento da Arte Pública, com os seus painéis em azulejo situados um pouco por todo o país, e fora de Portugal numa das principais estações de metro de Moscovo, em lugares públicos frequentados pelas populações que com eles convivem diariamente.

(...) É o medo que se instala e é mais forte do que a capacidade de resistir. A violência nunca é legítima, mas deixa-nos sem possibilidade de resposta. Podemos muito pouco. Os focos de guerra multiplicam-se. E se há ameaças, há refugiados e há egoísmos. Como poderemos responder? Como poderemos resistir? Isoladamente somos impotentes. E a Arte não tem resposta porque a humanidade ainda não a encontrou. Mas há inquietação. E a indiferença gera a angústia. Há rostos de medo que não podem deixar de ser vistos e os artistas não os podem esquecer. (...) ( G.O.M. )

A colaboração do Dr. Guilherme d’Oliveira Martins nesta publicação sobre a exposição, que apresenta um conjunto de obras recentes, entre o desenho, a pintura e a presença do azulejo, transmitindo-nos uma visão própria sobre o conjunto das obras e a sua oportunidade, tem um significado muito especial que queremos sublinhar e agradecer.

Ana Viegas e Tiago Montepegado
Galeria Ratton

Inauguração dia 19 de Maio, às 19 horas até às 22 horas




Rua Academia das Ciências 2 C, 1200-004 Lisboa
galeriaratton.blogspot.com
Tel. 21 364 09 48
Mapa no Google https://goo.gl/maps/xT56EbnDtD92


Graça Morais - Ritos e Mitos


Graça Morais
Ritos e Mitos
Quarenta anos depois 1974 / 2014



Rostos e gestos, tramas narrativas de sacralidade e morte, cenas de trabalho e rituais, acusam as marcas de uma obra que, não obstante a variação de estratégias formais e criativas que mobiliza, não abdica do real como referência, que aqui é feito de terra e de mistérios ancestrais e tem profunda ligação à memória e aos afectos.

Transfigurado ou metamorfoseado através da distorção e da sobreposição de linhas e formas, capazes de desencadear distintos níveis de leitura, cada obra é metáfora pictórica não só do encontro com o Trás-os-Montes de Graça Morais, mas da interpretação e da inquietante reflexão que, a partir deste território antigo em iminente desagregação, a artista faz do mundo.

Em permanente reinvenção e revisitação de temas e abordagens, a obra de Graça Morais tem vindo a desenvolver-se, ao longo destes quarenta anos, a partir de uma linguagem muito própria, assente em múltiplas derivações e em sucessivas deambulações criativas, que se sobrepõem, combinam ou interrompem e fazem dela uma obra à parte, inconfundível, no contexto da arte contemporânea portuguesa.

A sua prática pictórica não está no registo do pitoresco ou na captação sob ponto de vista etnográfico para memória futura, está antes na exploração de um imaginário e no modo como explana, com grande sinceridade pictórica, o que observa e lhe subtrai a redutora referência naturalista.

A escala cronológica da exposição que agora se apresenta na Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, é ampla, reunindo, no domínio do desenho, actividade dorsal do seu processo criativo, uma selecção de trabalhos emblemáticos de séries como, Marias, Metamorfoses, Procissão ou Desenhos de Abril, permitindo, de algum modo, o reencontro com uma grande variação de temas e estilísticas já tratados por Graça Morais.

Patente até 31 de Janeiro de 2015, de Terça a Domingo, das 10h às 17h30.

Comissário: Jorge da Costa
Produção: Sociedade Martins Sarmento
Centro de Arte Contemporânea Graça Morais


Sociedade Martins Sarmento
Rua Paio Galvão
4814-509 Guimarães
Tel: + 351 253 415969
Fax: + 351 253 519413

Horário de abertura ao público:
Terça a sexta-feira: 9:30/12:00 e 14:00/17:00
Sábado: 9:30/12:00 e 14:00/17:00
Domingo: 10:00/12:00 e 14:00/17:00
Encerra à segunda-feira



La Magia de la Caza



Inauguración de la exposición 5 de Julio a las 21:30 horas en el Centro de Arte Contemporáneo Graça Morais, en Bragança

Graça Morais – Passeio a água d’Alte, 2010. Acrílico sobre lienzo, 73 x 100 cm. Colección del artista.

La Magia de la Caza de Graça Morais
Pintura y Dibujo
5 de Julio de 2014 a 25 de Enero de 2015

En este territorio maravilloso mi gran libertad se manifiesta a través del acto de crear.
Pinto el reino de la metamorfosis donde las perdices, las liebres, los perros, las mujeres y los hombres se funden entre sí con la terra y con las plantas.
Estas pinturas y dibujos pertenecen al orden y al caso de los ciclos de la naturaleza; viven de la lucha y la reconciliación del Animal con el Hombre.
                                                Graça Morais

Como personajes de un drama antiguo, presa y cazador consustancian un conjunto de trabajos realizados por Graça Morais entre 1978 y 1979, en Paris, un inquietante análisis en torno a la estructura de la sociedad tradicional transmontana.

En una aparente visión poética de la vida en el campo, marcada por la exuberancia de la paleta cromática con la que satura los lienzos, Graça Morais introduce, a partir de la temática de la caza, preguntas sobre la legitimidad de un universo pautado por la ambivalencia entre la condición del hombre y la mujer, indiciada por la sutiles juegos de poder y sumisión, de amor y muerte, y nos conduce a mundos paradójicos e inesperados.

Además de lo que es un mero juego de caza y del cazador, a la vez mágico y cruel, el conjunto de trabajos es entendido como una metáfora de deseo y de poder sobre la mujer y cada lienzo tiene implícito la denuncia “de una agresividad viril” o la “brutalidad machista”, que la presencia de objetos como el arma de caza intensifican.

Generalmente muerta, la perdiz, al igual que la liebre, es, así, dentro de su sistema plural de signos, una “especie de Leitmotiv en tantas obras – es una imagen de diferentes significados y de diferentes equivalencias femeninas; ella es víctima del juego del macho, presa de su placer y de una violencia de deseo.”1

Al conjunto de trabajos, presentados a finales de la década de los 70, en el Centro Cultural portugués de la Fundación Calouste Gulbenkian, en Paris, se añade ahora, pasados cuarenta años, una importante serie de trabajos inéditos, realizados en 2010. En un intento de reanudar vínculos con un tema ya tratado, es, en ausencia de la figura del cazador, lo femenino lo que domina cada lienzo o dibujo, bien sea en forma de mujer, liebre o perdiz.

Comisario: Jorge da Costa
Producción: Centro de Arte Contemporáneo Graça Morais
Ayuntamiento de Bragança

1 AZEVEDO, Fernando de – Graça Moraias – Ainda o Mito e a Graça. Coloquio Artes.
Lisboa: Fundación Calouste Gulbenkian, nº 72, (marzo de 1987), págs. 19-25




Centro de Arte Contemporáneo Graça Morais
Calle Abilio Beça, 105
5300-011 Bragança
Tel: (351) 273 302 410
centro.arte@cm-bragança.pt

A Magia da Caça



Inaguração da Exposição

A Magia da Caça de Graça Morais
Pintura e Desenho
5 de Julho às 21h 30

Graça Morais – Passeio a água d’Alte, 2010. Acrílico sobre tela, 73 x 100cm. Colecção da Artista


Neste território maravilhoso a minha grande liberdade manifesta-se no
acto de criar.
Pinto o reino das metamorfoses onde as perdizes, as lebres, os cães, as
mulheres e os homens se fundem entre eles com a terra e com as plantas.
Estas pinturas e desenhos pertencem à ordem e ao caos dos ciclos da
natureza; vivem da luta e da reconciliação do Animal com o Homem.

                                                                                      Graça Morais


Como personagens de um drama antigo, presa e caçador consubstanciam num conjunto de trabalhos realizados por Graça Morais, entre 1978 e 1979, em Paris, uma inquietante análise reflexiva em torno da organização da sociedade tradicional transmontana.

Numa aparente visão poética da vida no campo, marcada pela exuberância da paleta cromática com que satura as telas, Graça Morais introduz, a partir da temática da caça, questões sobre a legitimidade de um universo pautado pela ambivalência entre a condição do homem e da mulher, indiciada pelos subtis jogos de poder e submissão, de amor e morte, e nos conduz a mundos paradoxais e inesperados.

Mais do que um mero jogo de caça e do caçador, simultaneamente mágico e cruel, o conjunto de trabalhos é entendido como uma metáfora do desejo e do poder sobre a mulher e cada tela tem implícita a denúncia “duma agressividade viril” ou de um “brutalismo machista”, que a presença de objectos como a arma de caça intensificam.

Geralmente morta, a perdiz, como a lebre, é, assim, dentro do seu sistema plural de signos, uma “espécie de Leitmotiv em tantas obras – é uma imagem de diferentes significações e de diferentes equivalências femininas; ela é vítima do jogo do macho, presa do seu prazer e de uma violência de desejo.”1

Ao conjunto de trabalhos, apresentados em finais da década de 1970, no Centro Cultural Português da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, associa-se agora, passados quarenta anos, uma significativa série de trabalhos inéditos, realizados em 2010. Numa tentativa de reatar vínculos com o tema já antes tratado, é, na ausência da figura do caçador, o feminino que domina em cada tela ou desenho, seja em forma de mulher, lebre ou perdiz.

Comissário: Jorge da Costa
Produção: Centro de Arte Contemporânea Graça Morais
Câmara Municipal de Bragança

1 AZEVEDO, Fernando de – Graça Morais – Ainda o Mito e a Graça. Colóquio Artes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, n.º 72, (Março de 1987), pp. 19-25.



CENTRO DE ARTE CONTEMPORÂNEA GRAÇA MORAIS
Rua Abílio Beça, nº 150
5300 – 011 Bragança - Portugal
Tel: (351) 273 302 410
centro.arte@cm-braganca.pt
www.cm-braganca.pt


Graça Morais - Uma Antologia • Da Terra ao Mar - Pintura e Desenho, 1970/2013


A inauguração da exposição Uma Antologia - Da Terra ao Mar - Pintura e Desenho, 1970/2013, de Graça Morais, acontece no próximo dia 30 de Junho, pelas 16h00, no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança, dia em que comemora o seu 5º aniversário.

Às 18h00 debate sobre a obra de Graça Morais com a participação de Raquel Henriques da Silva e Jorge da Costa, com a presença da artista.



Graça Morais - Uma Antologia • Da Terra ao Mar - Pintura e Desenho, 1970/2013

Alicerçada numa gramática pictórica única e inconfundível, a prática artística de Graça Morais tem evoluído, ao logo das últimas quatro décadas, em ciclos sucessivos e bem demarcados, que não só configuram a proficiência das diversas fases que compõem a sua obra, como legitimam a coerência do seu todo.

Com inequívoca expressão no contexto da arte contemporânea portuguesa a partir da década de 1980, Graça Morais desenvolveu, à margem de princípios doutrinários dominantes ou movimentos artísticos transitórios, uma linguagem muito própria, assente em múltiplas derivações formais e em sucessivas deambulações criativas, que, não raras vezes, se sobrepõem, interrompem ou combinam, “como se fossem ou pudessem ser estados de uma obra que não se aceita a si mesma, nunca como um encerramento”.

Na comemoração dos seus cinco anos de existência, o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais apresenta, pela primeira vez, em todos os espaços expositivos, reunindo, numa cronologia abrangente e exaustiva, a maior mostra antológica da artista, demarcada entre os trabalhos realizados em 1970, enquanto finalista da Escola Superior de Belas Artes do Porto, e uma intervenção efémera nas paredes de uma das salas, criada especificamente para esta ocasião.

A par de um conjunto significativo de obras que nunca tinham sido expostas até ao momento, capazes de surpreender mesmo aqueles que julgam conhecer bem o trabalho de Graça Morais, integram esta antologia obras emblemáticas de séries como “O Rosto e os Frutos”, “Os Cães”, “Cabo Verde”, “As Escolhidas”, “Geografias do Sagrado”, “Deusas da Montanha”, “Olhos Azuis do Mar” ou “Sombras do Medo”.

Comissário: Jorge da Costa
Produção: Centro de Arte Contemporânea Graça Morais; Câmara Municipal de Bragança


30 de Junho a 30 de Novembro
Centro de Arte Contemporânea Graça Morais
Rua Abílio Beça, 105
5300 – 011 Bragança
Tel. (351) 273 302 410
centro.arte@cm-braganca.pt
Horário: Terça a Domingo 10h00 / 18h30

Últimos dias da exposição "Os Desastres da Guerra"


Série A Caminhada do Medo II, 2011, Carvão e pastel sobre papel, 111 x 150 cm


Últimos dias da exposição Os Desastres da Guerra de Graça Morais na Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva. A exposição tem sido visitada por milhares de pessoas.

Momento musical às 15 horas com Pedro Caldeira Cabral seguido de uma conversa informal com a pintora Graça Morais no Domingo dia 14 de Abril, dia de fecho da exposição.


Programa do Momento Musical O Labirinto da Guitarra de Pedro Caldeira Cabral em PDF


'O Tempo dos Assassinos' por José Manuel dos Santos


Série A Caminhada do Medo III 2011 Carvão e pastel sobre papel 111 x 150 cm

Somos nós que nos reconhecemos nelas ou são elas que se reconhecem em nós? Na resposta a esta pergunta, marcamos o nosso lugar no mundo. Estas obras dizem o nosso nome, usam a nossa língua, olham-nos no nosso olhar. Arrastam-nos no seu movimento e na sua paragem: fugimos na sua fuga, paralisamos no seu medo, sofremos no seu sofrimento. Delas se pode falar de “terror” e de “piedade”- e era disso que Aristóteles falava quando falava da tragédia.

Vinda de um mundo que é (ou parece) um mundo sem tempo (o mundo eterno da terra, das suas lentidões e dos seus regressos), a obra de Graça Morais, com o ciclo que aqui se apresenta, cai abruptamente no tempo mais imediato para lhe dar um rosto ( “Tu pintura es el lenzo de Verónica / de ese Cristo sin rostro / que es el tempo”, Octavio Paz).

Todos os tempos se julgaram a viver sobre o abismo”, lembra Walter Benjamim. Mas isso não impede que, sob alguns tempos, o abismo seja mais abismo ( “abyssus abyssum invocat”): embora o ovo da serpente esteja às vezes onde não pareça estar, o tempo dos comboios que paravam em Auschwitz não é o tempo em que a imperatriz Sissi atravessava a terra escoltada pelos seus fantasmas.

Os cães de caça brincam ainda no pátio, mas a presa não lhes escapará, por muito que corra já pelas florestas”, informa-nos Kafka e as palavras geladas que usa para nos informar apontam para nós. Estes desenhos a pastel e a carvão de Graça Morais (desenhos pintados e pinturas desenhadas) fazem-se a partir das imagens que todos os dias, nas páginas dos jornais e nos écrans das televisões, nos passam pela frente, sem que as consigamos parar ou fazer recuar. Mas, nestes desenhos, a pintora dá ao sensacionalismo um simbolismo, à superficialidade uma fundura, à banalização uma gravidade, ao efémero uma perenidade. E dá uma atenção à indiferença, uma proximidade à distância, uma recusa à aceitação, um juízo de valor ao juízo da realidade.

Este é o tempo dos ASSASSINOS”, anuncia Rimbaud. Este é esse tempo tornado nosso. Subitamente, como num verão passado ou num inverno futuro, tudo se atirou a nós como os cães de caça desse judeu de Praga que não conseguia ver uma luz na sua treva. A este movimento que nos empurra para o abismo, para a catástrofe, para o desastre, para o deserto chamamos “crise”. Eu chamei-lhe um dia “a guerra de todos contra todos”. Nesta guerra, a lei é-nos imposta pelo exército do crédito e da dívida - e é uma lei marcial, um big brother bélico, um campo de extermínio planetário. A esta lei tudo foi submetido: o político, o social, o cultural, o humano. Sob o seu poder, cada casa tem uma forca, cada empresa é um teatro de guerra, cada pessoa é um alvo a abater.

A história da pintura tem muitos “desastres da guerra”. Os de Goya, assim mesmo chamados, fazem-se de crueldade e caos. O de Vieira da Silva ( “Le Désastre ou la Guerre”) traz consigo as lanças de Paolo Uccello. Os de Manet são as várias versões de “A Execução do Imperador Maximiliano” e nelas há a memória do “Tres de Mayo”, de Goya, e dos instantâneos fotográficos do fuzilamento. Os de Picasso são a “Guernica”( com os seus muitos estudos e esboços) e tudo nela é morte, noite e gume ( Não, a pintura não se fez para decorar casas. É um instrumento de guerra ofensivo e defensivo contra o inimigo”, disse o pintor). O de Anselm Kiefer é o da “Todesfuge” e traz-nos Paul Celan: “Leite negro da madrugada bebemo-lo ao entardecer / Bebemo-lo ao meio-dia e pela manhã bebemo-lo de noite/ Bebemos e bebemos/ Cavamos um túmulo nos ares aí não ficamos apertados/(…) Açula os seus mastins contra nós oferece-nos um túmulo no ar/ Brinca com as serpentes e sonha - a morte é um mestre da Alemanha”.

Este ciclo de Graça Morais, feito de duas séries, tem esta ascendência, esta genealogia, esta linhagem. As suas armas dão-lhe uma heráldica de alerta e de protesto. À crueldade do mundo ela opõe a crueldade da imagem dele – no seu expressionismo trágico há aviso e repulsa.
A pintora conta que, muito nova e como tantos outros, estava em Paris a ver pintura. Ia aos museus e perguntava o que fazer com aquelas imagens que não lhe abandonavam os olhos. Um dia, foi ao cinema onde se estreara “A Árvore dos Tamancos” e esse filme deu-lhe resposta à sua pergunta. Decidiu trocar a cidade de todos os futuros pela terra de todos os passados – a sua, Trás-os-Montes. Nessa hora altiva, Graça tornou-se o que era e aprendeu o que já sabia: na terra que nos dá os frutos que alimentam, vivem também os vermes que destroem. Ela sabe que o humano e o inumano se misturam, mas que é preciso reconhece-los, distingui-los, separá-los, nomeá-los. É a esse processo químico, uma espécie de electrólise do espírito, que podemos chamar moral.

Este ciclo que agora se apresenta é, na obra longa e contínua de Graça, a marcação nítida de uma metamorfose. A arte, que é a vida das formas, dá aqui forma ao medo do mundo. O que une todas as fases (digo “fases” no sentido em que se diz “fases da lua”) da obra de Graça Morais é aquilo a que Alberto Moravia, falando do autor de “Accattone” e do “Evangelho Segundo S. Mateus” afirma: “ Pasolini escreveu que a piedade morrera. Ele entendia a piedade no sentido da relação religiosa com o real, isto é, o contrário da impiedade que ele via triunfar no hedonismo de massa.” Se, da sua madrugada ao seu entardecer, atravessarmos a obra de Graça Morais, vemos que o sentimento sagrado do real é o seu santo e a sua senha.

Neste ciclo, ao mostrar desastres, destruições, destituições, destroços, vitórias, dominações, euforias, dores, a pintora faz uma teologia-antropologia do nosso tempo (nesta série o tema da Pietà é insistido). Aqui, o esgar do atleta que vence está próximo do esgar do prisioneiro que é derrotado. Aqui, há mortos, vivos, assassinos, assassinados, fugitivos, refugiados, perseguidos, perseguidores, carrascos, vítimas, culpados, inocentes, mães, filhos, anjos, demónios. Aqui, há violência, crueldade, exaltação, pânico, perseguição, fuga, terror, sofrimento, piedade. Aqui, há a miséria do mundo, a violência da vida, a máscara da morte. Aqui, há bichos que são homens e homens que são bichos. Aqui, estão todos, mas não valem todos o mesmo.

Agora, estou a caminho do atelier de Graça Morais, na Costa do Castelo. Vou acompanhado de um amigo. Ele é transmontano como ela e eles falam disso como os iniciados falam da sua iniciação e do seu templo. Continuam a falar e eu oiço-os, suspenso da minha exclusão. Depois, a artista começa a mostrar-nos a sua arte. Vemos fotografias de jornais e vemos as obras que ela fez a partir daí (“imitação” no sentido aristotélico, citação icónica e plágio metafísico, digo eu). De repente, o atelier é o mundo. Subitamente, o atelier é o medo. Ela fala e mostra. Mostra e fala. Fala da mãe como origem, fonte, terra, memória. Fala da vida e destes dias que a negam. Fala e aponta para um desenho: aí um homem leva ao colo outro homem. Então, diz: “Nesta crise, todos trazemos alguém ao colo: um desempregado, um desalojado, um faminto, um doente, um deprimido, um abandonado.

Numa das suas parábolas mais terríveis, Franz Kafka conta que os leopardos entraram no templo e beberam o conteúdo dos vasos sagrados. Essa profanação repetiu-se com regularidade e método, tornando-se previsível. Acabou por pertencer ao ritual e passou a fazer parte da cerimónia.

Estamos num tempo entre estes dois tempos: o tempo da surpresa - medo do horror e o tempo da sua aceitação - normalização. Neste tempo entre esses dois tempos, a nossa responsabilidade é evitar a aceitação do inaceitável e a profanação do sagrado. O nosso dever é impedir a banalidade do mal (Hannah Arendt). Sophia de Mello Breyner, que Graça tanto admira, afirma: “Não aceitamos a fatalidade do mal. Como Antígona, a poesia do nosso tempo diz: «Eu sou aquela que não aprendeu a ceder aos desastres». Há um desejo de rigor e de verdade que é intrínseco à íntima estrutura do poema e que não pode aceitar uma ordem falsa. // O artista não é, e nunca foi, um homem isolado que vive no alto duma torre de marfim. O artista, mesmo aquele que mais se coloca à margem da convivência, influenciará necessariamente, através da sua obra, a vida e o destino dos outros. Mesmo que o artista escolha o isolamento como melhor condição de trabalho e criação, pelo simples facto de fazer uma obra de rigor, de verdade e de consciência, ele irá contribuir para a formação duma consciência comum. Mesmo que fale somente de pedras ou de brisas a obra do artista vem sempre dizer-nos isto: Que não somos apenas animais acossados na luta pela sobrevivência mas que somos, por direito natural, herdeiros da liberdade e da dignidade do ser”.

Estas obras de Graça Morais são o sinal de uma responsabilidade e de um dever. São feitas de alerta e de alarme. Mas, nesse alerta e nesse alarme, acende-se a possibilidade de que Kafka não tenha inteiramente razão quando afirma: “Existe esperança, esperança infinita, mas não para nós”. Porque, como diz Walter Benjamin, “é àqueles que não têm esperança que a esperança deve ser dada”.

Lisboa, Janeiro de 2013

José Manuel dos Santos [in Texto do catálogo 'Graça Morais - Os Desastres da Guerra']


'Os Desastres da Guerra' de Graça Morais na Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva


Os Desastres da Guerra, pintura e desenho de Graça Morais
31 de Janeiro · 14 de Abril de 2013


Série Sombras do Medo 2012 Pastel e carvão sobre papel 111,3 x 75,8cm

 Série Sombras do Medo 2012 Pastel e Carvão sobre papel 111,3 x 75,8 cm

Sombras do Medo

Pinturas nas quais homens e mulheres se transmutam em animais.
Animais que ganham a força dos heróis.
Anjos que carregam nos seus braço seres que são resgatados do Inferno e dos desastres das guerras e das doenças.
Piètas que revelam a natureza humana numa recusa em aceitar a fatalidade da maldade sem rosto que ensombra a Terra.
Estas pinturas e desenhos são o meu grito de alerta e revolta perante um mundo que apreendo através dos jornais, das televisões e dos media e que também sinto no olhar das pessoas com quem me cruzo no meu quotidiano, numa cumplicidade de olhares, cheios de dignidade mas também de muito sofrimento.


 Série A caminhada do Medo VII 2011 Pastel e carvão s papel 102 x 152 cm

A Caminhada do Medo

Fuga do Caos e do Abismo.
São milhões de seres humanos que migram em busca de um futuro melhor. Fugidos de guerras, de genocídios, do terrorismo, de catástrofes naturais, lutando numa cruzada contra a fome, a doença, as injustiças sociais e as perseguições políticas.
É através destas pinturas que faço uma reflexão profunda sobre a resistência de mulheres e homens que procuram o seu lugar na Terra, lugar no qual recusam a fatalidade do Medo e a indignidade do Mal.


Graça Morais

· · ·

(...) O trabalho de Graça Morais trata do Tempo e do Lugar. Ela construiu a sua imagem investigando memórias e transformando realidades: a do Portugal rural que mudava e perdia o seu tempo e o seu lugar no Mundo. Através dela vimos Trás-os-Montes agarrando-se à longura do céu, à dureza do ar, à antiguidade da voz, à violência de uma beleza esquecida.

As duas séries que agora se apresentam, (…), surgem claramente como sobressalto cívico. Graça Morais reage, já não apenas a um presente que perde o seu passado mas a um presente que perde também o seu futuro. As longas e intensas cenas rurais de Graça Morais olhavam um mundo que lentamente se desagregava, eram uma acção de conservação, uma homenagem. Agora, são uma denúncia, um alerta. O tempo, aqui, é imediato e o espaço também – e ambos desabam vertiginosos sobre nós.
 E, no entanto, cada uma das imagens que ela nos atira, retoma, repete, cita rostos, gestos, cenas que ao longo da história da Arte tantos outros artistas retomaram, repetiram, citaram transformando o quotidiano em alguma coisa capaz de durar para além do instante de um grito – transformando-o em imagens, em símbolos. (...)

Há uma reinventada tradição expressionista na obra de Graça Morais que não encontra nunca tal grau de exasperação na pintura portuguesa que a precede; também não se encontra tal exasperação na literatura ou na música portuguesas. Porque procuramos o céu, se tem cores violentas? Porque erguemos um corpo, se é para ser cruxificado? Porque se exibe a carne para um sexo ritualizado? Onde nos conduzem os caretos mascarados, cornudos, demoníacos? Ou as facas de matança e as lâminas das sacholas?
(...)

Onde nos levam os corpos dobrados sobre a terra, semeando, esperando e arrancando os frutos, dobrados sobre o colo, tecendo ou debulhando, dobrados sobre os joelhos, rezando ou penando? Penso que nos transportam directamente às imagens que a artista agora trabalha: aos indignados da miséria urbana, aos que têm fome e aos que têm raiva, aos sacrificados das pequenas guerras que proliferam como doenças endémicas, às cenas sacrificiais e às cenas de piedade em que cada homem e cada mulher repete os gestos de todos os homens e mulheres de todas as cidades cercadas, queimadas, destruídas: Babilónia, Tróia, Persépolis, Cartago, Estalinegrado, Berlim, Hiroshima, Sarajevo, Bagdade, ... São gestos de morte e gestos de amor: cada um de nós, assassino; cada um de nós, figura de uma piéta.

Graça Morais usa fotografias da imprensa como fonte. (…) [Mas] Graça Morais altera escalas, espaços, gestos, posições, direcções, muda protagonistas. Faz tudo para alcançar uma verdade sua que deseja venha a ser universalmente reconhecida. [E, como sempre, são as construções ficcionadas que melhor nos trazem ao coração do real. Vejamos os casos de O 3 de Maio de 1808 em Madrid de Goya, da Guernica de Picasso ou da Execução do Imperador Maximilano, que Manet pintou em 1869. São essas pinturas que nos permitem] transcender o pessoal, o político, até o histórico, para integrar “o que aconteceu” (o facto isolado) no arco de sentidos profundos da tragédia humana.”

João Pinharanda (Excertos do texto 'Graça Morais: a Arte e o Presente' do catálogo)



Os Desastres da Guerra, pintura e desenho de Graça Morais, inaugura o ciclo de exposições temporárias do ano de 2013, na Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva. Comissariada por João Pinharanda, a exposição tem o apoio mecenático da Fundação EDP. A exposição inaugura no dia 31 de Janeiro de 2013 pelas 18h30 e vai estar patente ao público até 14 de Abril de 2013.

Press release
Convite
The Disasters of War, paintings and drawings by Graça Morais, at the Arpad Szenes-Vieira da Silva Foundation (English booklet)



Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva | Praça das Amoreiras, 56/58 1250-020 Lisboa | Tel.( 351) 21 388 00 44/53 | Email. fasvs@fasvs.pt
Horário: De Quarta a Domingo, das 10h00 às 18h00. Encerra Segunda, Terça-feira
e feriados.


'Sombras do Medo' - Pinturas e Desenhos de Graça Morais


Sombras do Medo

Pinturas e Desenhos de Graça Morais | Galeria Gomes Alves

Inauguração dia 21 de Setembro às 22 horas

Série “Sombras do Medo” 2012, Sépia e grafite sobre papel, 29,5 x 42 cm

Inauguração da exposição 'Sombras do Medo' de pinturas e desenhos inéditos de Graça Morais na Galeria Gomes Alves no dia 21 de Setembro, pelas 22 horas com a presença da artista. A exposição estará patente ao público até dia 7 de Novembro de 2012.

Série “Sombras do Medo” 2012, Pastel e Carvão sobre papel, 111,3 x 75,8 cm

Série “Sombras do Medo” 2012, Pastel e Carvão sobre papel, 111,3 x 75,8 cm

Série “Sombras do Medo” 2012, Pastel e Carvão sobre papel, 111,3 x 75,8 cm



Galeria Gomes Alves
Rua Gravador Molarinho, 4820-142 Guimarães, Portugal
Horário: Terça a Sábado, 10h30 às 13h00 e 15h30 às 19h30
Facebook
Site


O Sagrado e o Profano: Graça Morais no Convento de Santo António, Loulé



Inaugura no próximo dia 14 de Julho, pelas 19h00, no Convento de Santo António, a Exposição de Pintura “O Sagrado e o Profano: Graça Morais no Convento de Santo António, Loulé”.

Esta Exposição é composta por obras que fazem parte da colecção da Fundação Paço d'Arcos.



Sophia e o Anjo, 1987
Acrílico s/papel, 153 x 122cm

Desejo através dos meus quadros ter consciência de quem sou, questionar a minha existência, afirmar a minha identidade construída através de sinais, símbolos, imagens, memórias de uma realidade que me liga ao universo.

Com a minha pintura quero construir um espaço diferente e único, onde possa defender a minha personalidade nestes tempos de grande massificação. A reflexão que faço do mundo está toda nos quadros que pinto. O quadro é um território íntimo, de magia, onde a linha e a cor, o espaço e a luz aparecem carregados de profunda espiritualidade.

Graça Morais, 17 de Julho de 2000, Folha de um Diário

Máscaras de Graça Morais

Máscaras (X), 1988
Acrílico, carvão e sanguínea sobre papel, 52 x 72cm

A artista reúne aqui, nos temas e épocas de realização deste conjunto de peças, períodos significativos do seu trabalho como pintora e como desenhadora. As obras apresentadas constituem parte igualmente significativa da colecção de arte da Fundação Paço d’Arcos. Finalmente, o lugar que as acolhe, uma Igreja associada ao antigo Convento de Santo António, em Loulé, intensifica o sentido de interrogação e perplexidade, desafio e aceitação de contrários que deu sentido ao projecto de Graça Morais no contexto da criação de cada uma destas obras.

Sendo hoje um espaço sem culto, a referida Igreja continua a repercutir, nas suas formas arquitectónicas e escassos elementos decorativos sobreviventes à voragem dos séculos, a imagem de lugar sacralizado. Face a esta força primordial do espaço tudo nos conduziu para que, no contexto da vasta quantidade de obra de Graça Morais integrada na Colecção Paço d’Arcos, escolhêssemos um número vasto mas coeso de peças, cuja lógica nos faz percorrer a prática e o pensamento da artista desde os anos de 1980 ao presente século.

O Interdito Transfigurado 1987
Acrílico s/ tela, 146 x 114cm

A temática revela períodos de forte inquietação e reflexão da artista a propósito do fenómeno religioso no mundo actual. Evidentemente, não estamos perante obras religiosas, passíveis de integrar sem polémica um espaço de culto católico. Em cada momento as referências históricas e iconográficas são subvertidas quer no jogo interior das imagens quer no jogo entre as imagens e os títulos. Nas suas composições cruzam-se e sobrepõem-se, fundem-se, a iconografia religiosa e pagã, a história da pintura antiga e actual, a intromissão do quotidiano contemporâneo, a natureza animal e a humanizada, o lugar que concede à Mulher e a sua própria imagem como elemento auto-biográfico – no seu conjunto, estas pinturas e desenhos, constroem um discurso carregado de simbologias complexas, que nos permitem múltiplas soluções de descodificação.

Desenho e pintura convivem nas obras de Graça Morais de um modo estimulante. Muitas vezes desafiando-se e colaborando, mantendo identidades diversas mas construindo um discurso coerente. Há histórias implícitas em cada imagem – são narrativas religiosas ou ritualizadas, auto-biográficas, do quotidiano rural arcaico ou mais raramente (e recentemente) introduzindo elementos urbanos. Porém, em cada momento, a tensão formal, entre linha e mancha, traço e cor (coincidindo ou descoincidindo) e também o desejo de síntese dos elementos narrativos torna mais complexos os planos, os espaços e os tempos – de tal modo que cada obra, fazendo-se de uma acumulação de acções deve ser vista, de facto, como a captação de um instante extremamente denso da vida.

Esse instante dramático, capturado em cada imagem (imagem de imagens, tempo de tempos, espaço de espaços...), exibe uma intensidade que nos remete para um expressionismo erudito e histórico mas também popular e arcaico; e exige de nós uma identificação quase física com o motivo, como se, por reflexão e forçadamente, fossemos incluídos na superfície da tela ou do papel.

Lamento da Gaivota à mãe de Vasco da Gama, 2005
Carvão e pastel sobre tela 178 x 208cm

Ouve-se a dor da mãe de Vasco da Gama, transfigurada em gaivota e desumanizada na sua angústia (Lamento da Gaivota à mãe de Vasco da Gama, 1985), sente-se a tensão dos pesos opostos (a razão apolínia e a desrazão dionisíaca) desequilibrando a balança que o Anjo segura (Sophia e o Anjo, 1987). Em Salomé (1987) e Judith (1987) duvidamos das cabeças masculinas que deceparam: sente-se a sombra, quer da troca dos protagonistas quer da consumação, por interposição do mito pagão de Leda, de uma violação não consumada. Nas cenas da Paixão de Cristo, a sobreposição de tempos e corpos, atribui uma forte dimensão de erotismo ao sofrimento (Interdito Transfigurado, 1987 ou O Mistério do Último Instante, 1987, por exemplo).

A inquietante ambiguidade do ser masculino/feminino, detentor de um poder simultaneamente religioso e político que Graça Morais fixa em Mapas e o Espírito da Oliveira (a obra mais antiga da selecção, 1984 ) parece presidir ao conjunto de todas as outras cenas. Do mesmo modo que, na longa série de pinturas sobre papel (O Sagrado e o Profano, 1985-86), parece estar contido o desenvolvimento e complexificação das futuras projecções sobrepostas de tempos, sentidos e espaços de que vimos falando.

Graça Morais concretiza um re-contar de histórias universais eliminando as fronteiras de cada uma delas, não simplificando o mundo da narrativa e da pintura mas enriquecendo-o. Para tal coloca-se muitas vezes atrás de uma máscara e oferece-nos também um lugar atrás das máscaras que pinta: não para se esconder nem para nos escondermos dos outros e do mundo, apenas para o vermos melhor.

João Pinharanda (Comissário)
Bragança, 30 de Junho 2012



A Exposição vai estar patente ao público até 15 de Setembro, nos seguintes horários: de Segunda a Sexta, das 14h00 às 20h00, Sábados e feriados, das 10h00 às 14h00. Encerra aos Domingos.

Acesso: Junto à estrada para Boliqueime, no prolongamento da Rua de Nossa Senhora da Piedade.
Contacto para mais informações: Divisão de Cultura e Património Histórico da Câmara de Loulé: Tel. 289 400 600 E-mail: cmloule@cm-loule.pt



Tapeçarias de Portalegre | Centro de Arte Contemporânea Graça Morais


Nós na Arte - Tapeçaria de Portalegre e Arte Contemporânea
Centro de Arte Contemporânea Graça Morais
Inauguração hoje, 18 de Maio 2012, às 21:30 horas


Recordo a minha primeira visita à manufactura de Portalegre, em finais dos anos 80. Era a primeira vez que um cartão de minha autoria se transformava numa tapeçaria de enorme beleza. Chamei-lhe Amanlis e é uma peça de grandes dimensões.

Foram feitos sete exemplares dos quais alguns podem ser vistos na Câmara Municipal de Lisboa (Campo Grande), na Reitoria da Universidade Técnica de Lisboa, na Sede do Montepio Geral e na Fundação Mário Soares.

Reparei que o grande segredo da tapeçaria reside no trabalho minucioso de interpretação e ampliação do meu cartão, feito em primeiro lugar pelas desenhadoras, como se fosse um mapa, com milhares de apontamentos e números, registando no papel milimétrico à escala 1/1 o desenho e as manchas de cor.

Senti-me surpreendida e maravilhada perante a diversidade de cores e tonalidades que as tecedeiras, de uma forma hábil e precisa, manipulam na construção faseada, diariamente, até à conclusão da obra. É um trabalho que resulta de grande conhecimento e experiência técnica, conjugando a habilidade manual com um esforço físico que exige muita tenacidade e concentração. Mais tarde, nos anos 90, foram produzidas mais tapeçarias, a partir de sete novos cartões da minha autoria.

Outra realidade que me toca directamente é o facto de constatar que toda a manufactura está entregue a mulheres, desde a direcção à produção, passando pelas desenhadoras e tecedeiras. Dir-se-ia que os nós de fio de lã se transformam nos laços afectivos que me unem as estas mulheres.

Ao apresentar todas as tapeçarias baseadas nos meus cartões, neste Centro de Arte Contemporânea, sinto uma enorme alegria em poder contribuir para a divulgação e valorização deste projecto cultural que constitui uma actividade inovadora e dinamizadora do nosso património artístico contemporâneo.


Graça Morais
Maio de 2012

Anunciação
200x140 cm

O Canto do Cisne e as Pombinhas da Catrina
146x160 cm

O Sagrado e o Profano
200x270 cm

Tapeçarias disponíveis no catálogo da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre




O Museu da Presidência da República leva aos principais equipamentos culturais da região de Trás-os-Montes e Alto Douro, até 30 de Setembro próximo, a exposição Nós na Arte – Tapeçaria de Portalegre e Arte Contemporânea.

Agregando em rede os Museus do Douro, Lamego, Côa e Abade de Baçal, o Mosteiro de Salzedas e o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, esta exposição reúne centena e meia de tapeçarias de Portalegre e cartões originais para tapeçaria, alguns inéditos, provenientes de várias colecções públicas e privadas.

O Museu do Douro e o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais acolhem, respectivamente, a obra de Nadir Afonso e de Graça Morais. Estes núcleos, em nome próprio, reflectem a forte ligação de dois dos mais conceituados artistas da região à tapeçaria. Dedicado também só a um artista – Almada Negreiros, o núcleo do Museu do Côa expõe pela primeira vez no seu conjunto as tapeçarias concebidas a partir dos frescos das Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa. No Museu do Abade de Baçal, percorrem-se os diferentes movimentos artísticos e correntes estéticas do século XX, num diálogo entre as obras da colecção permanente e as peças seleccionadas. Esse mesmo diálogo está presente também no Museu de Lamego, onde se cruzam as tapeçarias flamengas do séc. XVI, tesouros nacionais, com tapeçaria histórica portuguesa tecida em Portalegre a partir de cartões originais, fruto de encomendas para grandes edifícios públicos do Estado Novo. Por último, no Mosteiro de Santa Maria de Salzedas apresentam-se algumas obras emblemáticas de artistas internacionais que elegeram a Manufactura de Portalegre para a produção dos seus trabalhos.

Apesar de cada um destes núcleos permitir uma leitura autónoma, a junção dos seis espaços dá conta da riqueza e da diversidade deste património, afirmação de uma especificidade cultural e testemunho da capacidade de inovar na tradição. O discurso expositivo, ao mesmo tempo que ilustra os mais de 60 anos de actividade da Manufactura de Portalegre, percorre os momentos mais significativos da história da arte contemporânea. E estabelece uma relação entre as obras seleccionadas e as colecções dos próprios equipamentos e o espaço arquitectónico.

Desde a sua fundação, em 2004, que o Museu da Presidência da República tem procurado, numa das suas vertentes programáticas, contribuir para a divulgação e promoção do património artístico e cultural português, enquanto expressão simbólica e material da nossa identidade colectiva. A exposição Nós na Arte – Tapeçaria de Portalegre e Arte Contemporânea surge na sequência natural de uma exposição organizada há dois anos no Palácio de Belém, sobre Tapeçaria de Portalegre e como resposta à estratégia de descentralização cultural, que tem levado o Museu a assinalar a sua presença em todo os concelhos do país, através de múltiplas iniciativas culturais.

in C.M. Bragança

Centro de Arte Contemporânea Graça Morais
Rua Abílio Beça, 105
5300 – 011 Bragança
(+351) 273 302 410
centro.arte@cm-braganca.pt
Google Map

Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
Rua Dona Iria Gonçalves, Nº2
7301-901 Portalegre
(+351) 824 530 1400
Galeria
Rua da Academia das Ciências 2J
1200-004 Lisboa
(+351) 21 342 1481

'A Caminhada do Medo" inaugura no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais


De 14 Janeiro 2012 a 31 Março 2012

Inauguração da exposição 'A Caminhada do Medo', dia 14 de Janeiro, às 15 horas. Apresentação pública do livro 'Graça Morais: Prémio de Artes Casino da Póvoa 2011', com a presença de Graça Morais e de Laura Castro, às 16 horas.

A série produzida em 2011 (…) manifesta com total clareza a quantidade e a intensidade das imagens que permanentemente nos rodeiam e assaltam. Todos conhecemos o que é estar sob o impacto da avalanche de imagens de reportagem jornalística que invadem todos os meios de comunicação social e as novas plataformas de divulgação, internet, telemóveis, generalizadas através de um jornalismo popular que capta e difunde no mesmo momento.

Foi sob o efeito das fotografias publicadas em jornais e em revistas que os desenhos foram realizados. O uso dos recortes de jornais que ainda hoje subsiste vem da infância e da juventude, vem da tradição popular de forrar prateleiras com jornais decorativamente recortados, em padrões geométricos básicos e do hábito de os ler nessa circunstância. Os bicos talhados na extremidade do papel de jornal inscrevem-se delicadamente nos desenhos de figura dos anos iniciais da sua carreira. O gosto pela utilização dos jornais manter-se-ia, não apenas nesse registo ornamental, mas como fonte insubstituível de imagens e como uma das vias de levar o quotidiano à pintura.

É uma temática antiga a que se vislumbra nestes trabalhos, do sofrimento, do caos e do medo, de personagens condicionadas por acontecimentos históricos, os mais diversos. Já não peregrinações, mas migrações a caminho de um exílio incerto. Quem melhor do que a artista em retiro para perceber estas deslocações?

Estas podem ser as migrações provocadas pelos dramas humanos das acostagens nocturnas no sul de Itália, dos africanos sedentos de um lugar na Europa, das lutas religiosas e tribais dispersas pela África e pela Ásia, das revoltas nos países árabes, dos massacres fanáticos disseminados um pouco por todo o mundo, dos conflitos urbanos mal identificados.

Laura Castro in Ordem e Desordem do Mundo, Graça Morais: Prémio de Artes Casino da Póvoa 2011; Porto: Cooperativa Árvore, 2011, p. 136


Centro de Arte Contemporânea Graça Morais
Rua Abílio Beça, 105
5300 – 011 Bragança
Tel: (351) 273 302 410
email
site
facebook

La pintora Graça Morais inspirada por la actualidad




La conocida pintora portuguesa Graça Morais se ha inspirado en los acontecimientos recientes en el mundo y Europa para una exposición que se acaba de inaugurar en la ciudad de Oporto.

in Euronews (ES)


Graça Morais · 2011: A Caminhada do Medo


Graça Morais
2011: A Caminhada do Medo
desenho e pintura
20 de Outubro a 20 de Novembro

Série A Caminhada do Medo X | Pastel e carvão s/papel 150 x 111 cm 2011

Série A Caminhada do Medo IX | Pastel e carvão s/papel 150 x 111 cm 2011

Série A Caminhada do Medo V | Pastel e carvão s/papel 150 x 111 cm 2011

5. A ARTISTA EXILADA
Laura Castro1

Desengane-se aquele que lê o título como alusão a um exílio neo-romântico, refúgio campestre, fuga da cidade ao encontro da ruralidade poética e da autenticidade rústica porque não é isso que está em causa nem tão pouco o meio rural tem, na obra de Graça Morais, estas conotações. Se convoca a ancestralidade de certas práticas, fá-lo no confronto com a dureza e a austeridade do campo e, no núcleo de obras produzido na viragem do século, diante das transformações movidas por comunidades emigradas que não são imunes ao progresso.
Graça Morais vive, portanto, a sua condição de exilada no meio urbano. O desterro na cidade pode ser, hoje, mais silencioso do que o reduto aldeão onde, particularmente no Verão, a presença dos veraneantes intensifica o ruído, deixando a cidade mais calma. Mas desiluda-se também quem espera ver a temática urbana directamente vertida para o seu trabalho.
Desde há vários anos que a actividade de Graça Morais se divide pelos dois ateliers que mantém em Trás-os-Montes e em Lisboa e, apesar das dificuldades que essa repartição acarreta, em geral, há sempre trabalho iniciado num e noutro espaço. Por vezes, trabalho contrastante entre um registo mais delicado, em torno das temáticas florais e das ramagens primaveris, e um registo mais dramático e exigente dominado pela dimensão humana. Nem sempre os dois lugares de criação espelham dois circuitos paralelos, mas pode ser que tal confronto aconteça. Deste modo, a coesão temática e formal de cada série produzida pode corresponder a esta circunstância conjuntural, tal como responde a outras relacionadas com uma estação do ano, uma estadia particular, um acontecimento localizado e datado.
A série produzida em 2011, na altura em que este livro se encontrava em preparação, foi realizada no atelier de Lisboa e manifesta com total clareza a quantidade e a intensidade das imagens que permanentemente nos rodeiam e assaltam. Todos conhecemos o que é estar sob o impacto da avalanche de imagens de reportagem jornalística que invadem todos os meios de comunicação social e as novas plataformas de divulgação, internet, telemóveis, generalizadas através de um jornalismo popular que capta e difunde no mesmo momento.
Foi sob o efeito das fotografias publicadas em jornais e em revistas que os desenhos foram realizados. O uso dos recortes de jornais que ainda hoje subsiste vem da infância e da juventude, vem da tradição popular de forrar prateleiras com jornais decorativamente recortados, em padrões geométricos básicos, e do hábito de os ler nessa circunstância. Os bicos talhados na extremidade do papel de jornal inscrevem-se delicadamente nos desenhos de figura dos anos iniciais da sua carreira. O gosto pela utilização dos jornais manter-se-ia, não apenas nesse registo ornamental, mas como fonte insubstituível de imagens e como uma das vias de levar o quotidiano à pintura.
É ainda a temática da peregrinação que se vislumbra nestes trabalhos, mas agora trata-se das romagens de personagens condicionadas por acontecimentos históricos, os mais diversos.
Estas podem ser as peregrinações associadas aos dramas humanos das acostagens nocturnas no sul de Itália, dos africanos sedentos de um lugar na Europa, das lutas religiosas e tribais dispersas pela África e pela Ásia, das revoltas nos países árabes, dos massacres fanáticos disseminados um pouco por todo o mundo, dos conflitos urbanos mal identificados.
Este não é um mundo de abundância nem um mundo marcado pelo ritmo das estações, é um mundo que vive debaixo de um Inverno frio ou de um Verão árido que semeia carcaças de animais mortos e uma desolação traída por céus tempestuosos. Não é um mundo de abrigos domésticos, mas de vida desamparada no exterior onde todos estão expostos, desprotegidos, mal cobertos pelas mantas informes das organizações de assistência.
No seu exílio urbano a artista trata o êxodo humano nas suas múltiplas facetas. O desterro cumpre-se na cidade, a cidade é o seu atelier e o seu atelier é o mundo.
É inegável a dimensão política deste ciclo, componente que, ao contrário do que já se afirmou, nunca esteve ausente do trabalho de Graça Morais. Não num sentido panfletário ou contestatário, não num teor propagandista, mas na adesão a temas como a interioridade e o isolamento, a morte anunciada das aldeias, a solidão e a velhice no meio rural, a condição da mulher. Os acontecimentos históricos também não ficaram fora do seu horizonte artístico. De 1975 conhece-se a série de desenhos 25 de Abril, realizados com tinta-da-china e colagem, onde reproduções de fotografias, recortes de jornal e desenho se sobrepõem numa linguagem que muito fica a dever à intensidade comunicacional daquele período.
Estas peças vêm no seguimento do trabalho de Sines, de 2005, e de todas as séries das metamorfoses, da primeira década do século, mas a figuração envereda por outro caminho com aspectos tributários do ar do tempo. Os registos antropológicos do meio rural e os arquivos da memória dão lugar a figuras conturbadas do mundo contemporâneo, de paragens próximas e distantes. E, do ponto de vista do processo, há quase uma aproximação ao universo directo dos graffiti, dos gritos que ficam nos muros das cidades sem os cobrir completamente. A grande tela que mantém um carácter inacabado, com pouco desenho, é provavelmente o melhor exemplo. O desenho com duas personagens em fuga remete para o mesmo ambiente. A questão tinha sido já apontada por Eduardo Lourenço, noutro contexto: “Essa pintura, que mais parece relevar do graffiti ou da arte do fresco pela sua independência em relação ao suporte, como se pousasse apenas nele […]”2
Mas nem todos os trabalhos se orientam nesta direcção: há aqueles a que as cores quentes, o ar de tormenta, o preenchimento de toda a superfície conferem uma densidade e um peso que nos sobrecarregam. Há uma atmosfera espessa e sangrenta, um ar encorpado e táctil, envolvente, asfixiante, uma iluminação estranha de mau presságio.
Outros trabalhos prolongam o regime de transparências que a pintora tão bem domina, mas estes são em menor número.
Evidencia-se também uma linha de horizonte. Não é, no entanto, a habitual e essencial linha da paisagem que une o céu e a terra, é a linha que os separa e é nela que se encontram os peregrinos. Também se divisa o skyline de cidades nocturnas com personagens que se deslocam, apenas orientadas pela iluminação pública de postes com que a artista sinaliza a sua passagem, a sua fuga precipitada. (Interessante é recuar até uma obra de 1996 – Delmina – para percebermos como os modelos circulam de uma fase para outra: aí, o perfil de montanha, em fundo, recebia já personagens em gestos de trabalho).
As peças de menor dimensão, as colagens, dão a chave para os grandes desenhos e o modo como são compostos. Aí se percebe a importância do registo fotográfico, dos apontamentos escritos em folhas de diário e a sua recuperação posterior. Intervencionados e retrabalhados, esses materiais primários transformam-se mediante a pressão de novas circunstâncias: rostos de uma fotografia são cobertos por acrílico; personagens são modificadas mediante a adição de elementos animais; figuras fotografadas são refeitas em desenho; imagens são trancadas e bloqueadas sob uma mancha; papéis com fotografias coladas recebem escorrências de tinta-da-china e pingos de acrílico. Não são apenas reconfigurados os elementos compositivos pré-existentes, são os significados que sofrem uma reconstrução, predispondo-se a novas utilizações e interpretações.
É no espaço do desenho que se oferece a personagens heterogéneas e a factos desencontrados um plano de convivência, que não exactamente de convergência. Uma das estratégias plásticas que permite realizar a insólita conexão, é a mancha que, como uma auréola, rodeia grupos de personagens, estabelece uma situação específica mas mantém a transparência que a relaciona com os restantes protagonistas.
Quem povoa estas obras?
Deslocados de guerra, asilados políticos, nómadas famintos, perseguidos por questões religiosas, emigrantes clandestinos, uma legião de seres que vagueia perdida e sem outro destino que não o campo de refugiados improvisado.

É como num romance, ainda não sei bem o que as personagens vão fazer.
Posso deixar-me levar…
                                                                                                                                            Graça Morais

E aqui estão, primeiro, as criaturas do presente, recém-chegadas à sua obra: criaturas que deambulam ou avançam em fila, inseguras, reduzidas a vultos, a espectros, descarnadas pela condição de refugiados; soldados bem equipados de botas e capacetes, escudos e máscaras, armados; detidos; outros em pose de inspecção – suspeitos, radioactivos? É a comunidade internacional que faz e desfaz as catástrofes humanitárias – carrascos e vítimas; jornalistas e observadores (?); voluntários e agentes não-governamentais.
Aqui estão também as criaturas vindas do passado: figuras femininas de máscaras brancas com olhos fechados; ou de olhar atento e sobressaltado; mães auxiliadoras no rito da Pietà; um anjo; cabeças híbridas; e os cães vagabundos, rafeiros em pose de alerta ou de orelhas baixas e o olhar que nos fita, à espera.
Pensar que as personagens que chegam do passado poderiam ser um sinal reconfortante na perturbação geral é uma suposição que não se confirma, uma vez que o seu reino também é o da inquietação.
Na linguagem de Graça Morais, a visão do mundo não descarta a visão da sua obra, passado e presente confrontam-se, referentes de diversa natureza cruzam-se numa trama complexa.
Este é bem o nosso mundo, feito de realidades afastadas que nos chegam em simultâneo, numa sincronia enganadora. Valores e princípios têm, no seio dos conflitos que interessaram a artista, uma validade sempre provisória e contingente, ao sabor de circunstâncias políticas e de negociações de conveniência. As identidades são sempre transitórias – hoje num papel, amanhã no campo oposto; hoje como algoz, amanhã como mártir; hoje como personagem anónima, amanhã como figura da comunicação global. Não haveria melhor recurso artístico do que este mosaico de tempos e espaços em que se organizam os desenhos, para o demonstrar.
A artista permanece fiel ao mundo e fiel ao seu mundo.


Notas
1 Docente na Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa – Porto e membro do Centro de Investigação em Ciência e Tecnologias das Artes (CITAR) desta Escola.
2Eduardo Lourenço – In Pintura Portuguesa 1988. 10 de Junho. Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Apud Graça Morais. Lisboa: Soctip, 1992.

O presente texto é parte do livro Graça Morais. Ordem e Desordem do Mundo, em preparação e do catálogo da exposição 2011: A Caminhada do Medo.



Árvore - Cooperativa de Actividades Artísticas, CRL
Rua Azevedo de Albuquerque, 1 4050-076 Porto - Portugal
Tel. +351 222 076 010 Fax: +351 222 076 019
geral@arvorecoop.pt Site
Árvore no Facebook

Terra Quente - Terra Fria · Desenho e pintura 1978 /2002



GRAÇA MORAIS
TERRA QUENTE - TERRA FRIA
Desenho e pintura 1978 /2002
30 de setembro de 2011 a 8 de janeiro de 2012


Todo o ecletismo de referentes, persistentemente reivindicados na produção artística de Graça Morais, de que vem resultando uma pungente e singular iconografia, tem apensa a pertença de lugar.
Transfigurado ou metamorfoseado através da distorção e da sobreposição das formas, capazes de desencadear distintos níveis de leitura ou, não raras vezes, inscrito pelas linhas mínimas do desenho, o universo telúrico e antigo que representa e com o qual vem estabelecendo um diálogo pronunciado e aberto é, como a vontade de o perpetuar, eixo axial do seu trabalho.
Rostos e gestos, objetos e animais, rituais de inverno e cenas de trabalho, tramas narrativas de sacralidade e de morte acusam as marcas de uma obra que, não obstante a variação de estratégias formais e até dos inesperados processos materiais que mobiliza, não abdica do real como referência, que aqui é feito de terra e de mistérios ancestrais, e tem profunda ligação à memória e aos afetos.
A escala cronológica da exposição é ampla, reunindo obras de 1978, da emblemática série “O Rosto e os Frutos”, aos primeiros anos do século XXI, permitindo nas sucessivas inflexões, especialmente no domínio do desenho, o encontro com uma grande variação de temas e estilísticas já tratados por Graça Morais.
Da obra chega-nos, inteira, a imagem da região transmontana, mas distanciada da redutora visão folclorista. A essência está lá: os rituais, as tropelias dos caretos, a solenidade e a bruteza da matança do porco ou a imolação do cordeiro na Páscoa, a dureza das segadas, a caça, as festividades religiosas, o tempo quente das cerejas ou das neblinas invernais, os utensílios de trabalho, as mulheres, a passagem das estações e dos dias, mas chega até nós filtrada pela visão pessoalizada da artista e pela subjetividade das interrogações que é capaz de convocar a partir das inesperadas associações e figurações que nelas adita.
A condição da sua prática pictórica não está, por isso, tanto no registo do pitoresco ou na captação sob ponto de vista etnográfico para memória futura, está antes na exploração de um universo e de um imaginário e no modo como explana, com grande sinceridade pictórica, o que observa, do mesmo modo que lhe subtrai a redutora referência naturalista.
Como os temas, também a escolha dos suportes nunca foi secundário em Graça Morais, ao procurar neles uma plasticidade profícua, capaz até de redefinir a própria obra. Os materiais não funcionam apenas como meros ou ocasionais suportes para as imagens que sobre eles projeta, antes explora continuamente outras texturas, como as grandes lonas de serapilheira, apetrechos de trabalho utilizados em tempos idos na colheita da azeitona, cujas marcas do uso são ainda visíveis e inteiramente assumidas pela composição. Na série “Jorge”, assim titulada pela importância excecional que aí é dada à figura masculina, sobressai o domínio do traço a carvão. O campo semântico é dominado pelas expressões e gestos desajeitados de uma figura que suspende pelas patas uma ave, uma cena que se repete em três lonas com algumas variações, como os desenhos detalhados de ancestrais instrumentos de trabalho com os quais, aparentemente, não parece existir qualquer relação.
É precisamente o modo como formaliza este universo que sai reforçada a singularidade do trabalho de Graça Morais, único “a impor uma linguagem de persistente descoberta e uma figuração que se distingue de qualquer outra pelo que alcança em identidade”, como chegou a referir Fernando de Azevedo.
Terra Quente - Terra Fria convoca, assim, na sua essência, a um encontro com o Trás-os-Montes de Graça Morais, onde cada obra é metáfora pictórica da interpretação e, simultaneamente, da reflexão que, a partir deste território antigo em iminente desagregação, a artista faz do mundo.

                                                                                                                         Jorge da Costa



Comissariado: Jorge da Costa (director do CACGM)
Produção: Centro de Arte Contemporânea Graça Morais / Câmara Municipal de Bragança



Centro de Arte Contemporânea Graça Morais                                        Tel: (351) 273 302 410
Rua Abílio Beça, 105                                                                              Fax: (351) 273 202 416
5300 – 011 Bragança                                                                              centro.arte@cm-braganca.pt
Facebook



Terra Quente – Terra Fria é um percurso a Trás-os-Montes através da obra de Graça Morais. Um percurso que vive do seu olhar, das suas memórias, da forma como tacteia as pessoas, paisagens, sensações e lhes dá corpo através do seu traço e da sua pintura.

Com um elenco de actores e bailarinos procura-se que este projecto seja um mergulho ao interior dos temas abordados por Graça Morais e que nos transportem ao pulsar da vida, dos rituais e das paisagens transmontanas.

Teatro Municipal de Bragança 30 de Setembro e 1 de Outubro
Auditório ACE Teatro do Bolhão 11 a 23 de Outubro ( de Quinta a Sábado 21:30 e Domingos ás 16:00
Teatro de Vila Real dia 28 de Outubro


Peça de dança contemporânea criada pela coreógrafa Joana Providência a partir da obra de Graça Morais

Mais informação em Teatro do Bolhão



Recortes de imprensa (online):

Uma viagem a Trás-os-Montes através de Graça Morais, Diário de Notícias, 30 de Setembro 2011

“Terra Quente Terra Fria” a nova exposição de Graça Morais, welcome nordeste.pt, 3 Outubro 2011

Viagem a Trás-os-Montes através de Graça Morais, Tribuna do Douro, 3 Outubro 2011

Vídeo Reportagem via Local Visão, 2 Outubro 2011