Graça Morais, pintora-perdiz



“A Máscara e o Tempo” é a exposição de Graça Morais que a Galeria Ratton inaugura hoje. Miguel Matos teve direito a visita guiada na companhia da pintora.

Por Miguel Matos

Pelas três naves da galeria desfilam pinturas que aludem à vida e ao tempo próprio do quotidiano no campo. Desenhos recentes, feitos a carvão, representam batatas geradoras de vida, transformadas pela acção dos dias passados.

Imagens de aves que se fundem no rosto da pintora dialogam com desabafos do dia-a-dia. A exposição “A Máscara e o Tempo” é uma súmula dos muitos desenhos que Graça Morais traça diariamente, marcando na memória as emoções da vida, a morte e a passagem do tempo nas pessoas que nos são queridas.

A Graça Morais continua a preferir o desenho como sua expressão, mais do que a pintura?

Sim. Gosto imenso de desenhar a carvão e a pastel. Mais depressa atinjo os resultados que quero assim do que com a pintura. A pintura requer uma força mais física e exige muito tempo. Nos últimos dois anos, desde que comecei a ter de ir muito a Bragança [onde está o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais], comecei a ficar com o meu tempo dividido. Então, quando fico no meu ateliê muitos dias agarro-me às telas e pinto.

Nesta exposição podemos observar três núcleos de obras. Pode explicar cada um deles?

Na primeira sala temos o tempo longo dos campos e do ciclo das estações. Há uma pintura com uma cabra que está no campo... isto é um tempo que só o campo tem. Nós na cidade não o temos. É o tempo da contemplação. Quase que se sente o som da bicharada, dos insectos... eu tenho muita sorte pois vou muitas vezes para a montanha e ando por aqueles lugares a sentir os campos. Gosto imenso dos rebanhos de gado, que cada vez existem menos. A nossa primeira infância marca-nos a todos e eu fui muito marcada porque vivi até aos sete anos nesse lugar, que na altura não tinha electricidade, nem estradas nem telefones. O isolamento era tanto que tudo o que eu vivi foi muito intenso. E a relação com o meu pai, com a minha mãe e os meus irmãos, numa família numerosíssima e aquela gente toda na aldeia ficaram marcadas profundamente no meu pensamento e no meu coração. Sinto que hoje sou uma privilegiada porque tenho esse mundo dentro de mim.

Tem necessidade desse acto de contemplação que hoje parece relegado para segundo plano?

Sim, porque isto tem a ver com a minha identidade, com a minha cultura. Há uma pintura que retrata os jovens de Trás-os-Montes. São jovens que eu encontro lá mas que são quase uma raridade. Vestem-se como aqui, têm os mesmos hábitos pois o mundo é cada vez mais pequeno. Têm uma aparência muito citadina, na aparência, nos objectos, na aquisição das tecnologias, mas ao mesmo tempo vão para o campo e vêem as cabras, as ovelhas...

Desenhou batatas velhas e transfiguradas... A observação da transformação da natureza é para si uma metáfora para a passagem do tempo?

Sabemos que quando deixamos as batatas apanhar luz, elas grelam. Lá em casa eu não deixo ninguém deitar fora as batatas greladas. Elas são motivo de interesse porque estão vivas, estão a transformar-se. A metamorfose dos seres vegetais é uma coisa que me toca e que preciso de observar. Então, peguei nessas batatas greladas e levei-as para o ateliê. Fiz uma série de desenhos porque aquelas batatas são uma metáfora sobre a vida e o tempo. Só passado algum tempo é que as batatas ganham esses grelos, que são nova vida e ao mesmo tempo é a velhice entendida como algo de grande beleza e que continua a ser aproveitável. Há pessoas que envelhecem e não são trapos, continuam a ter um papel na sociedade. Mas neste momento, com as pessoas a viverem muito mais, a nossa sociedade tem de criar espaços para elas. O meu pai morreu com 63 anos e eu achava que ele era velho. Hoje eu tenho 61 e não me considero velha. Há muita gente com 80 anos que faz uma vida brilhante e é uma velhice que tem de ser estudada.

Aquelas mulheres com vegetais a crescerem a partir dos seus rostos, como veias ou órgãos, o que simbolizam?

As pessoas, quanto mais envelhecem, mais o tempo lhes parece veloz. E então ficam com medo de morrer. Um destes desenhos é a cabeça da minha mãe, que é uma pessoa que eu adoro (eu desenho muito a minha mãe). Fazer estes desenhos é uma forma de a agarrar, de a prender, de deixar um testemunho de uma pessoa que é natural que vá desaparecer daqui a uns tempos. A transformação daqueles rostos com tubérculos é o tempo que se nota nas marcas que deixa nas suas caras. Quando as pessoas envelhecem numa relação normal com o tempo, as caras das pessoas velhas já não são caras, são vegetais, estão cheias de experiência.

É um discurso sobre o tempo e a vida, mas também sobre o corpo.

Não é só isso. Alguns rostos são fusões entre o rosto da minha mãe e o meu. E quando eu faço uma fusão entre a sua cabeça e a minha é uma maneira de questionar a minha identidade. É uma reflexão sobre a existência. E isso agudiza-se à medida que eu, com 60 anos, me questiono sobre o mundo que me cerca. Aqui não se sente os conflitos terríveis que há no mundo porque este é um mundo de paz. Também tem dramas e tragédias, há o medo da morte, da doença e da transformação, mas é um mundo que tem a ver com a dimensão dos campos. No fundo estou a reflectir sobre Portugal, que é um país que foi agrícola durante muito tempo e continua com uma agricultura cheia de dificuldades. Mas quando se vai à minha região vê-se toda a gente a trabalhar nas oliveiras, nas videiras... Eu tenho a sorte de ter uma mãe que mesmo depois da vindima me guarda umas videiras com uvas para eu ver...

A relação entre filha e uma mãe é incontornável na sua obra e assume uma dimensão quase visceral.

É realmente uma relação de sangue, de mente e de corpo. E nos últimos anos tenho começado a ver o mundo através da cara da minha mãe. E através dela eu começo a entender melhor aquela cultura e a minha.

Que assunto quer abordar nas pinturas das perdizes que se transformam num rosto?

As perdizes aparecem no Inverno, na altura da caça. Tenho uma relação afectiva com a perdiz, é uma ave muito bonita. Eu só consigo pintar a perdiz que os meus irmãos caçadores me oferecem, não consigo desenhar uma perdiz comprada numa loja. A prenda mais bonita que eu me lembro de ter tido quando era menina, tinha eu seis anos, foi o meu pai vir da caça, com o cinturão cheio de perdizes e oferecer-me uma. E aquela perdiz estava lindíssima e morta. Nunca mais a esqueci. Essa perdiz simboliza também uma certa vitimização das mulheres, mas sobretudo uma enorme beleza e os laços afectivos... E no final desta série, já sou eu, fundindo-me com a cabeça da perdiz. É um auto-retrato, que também é um diário. A minha pintura é muito simbólica, está cheia de metáforas.

A Graça Morais continua a fazer aquilo que parece um tabu na arte portuguesa actual: falar sobre si e sobre a vida.

Depende da arte contemporânea. O que acontece com alguns artistas é a não aceitação de uma certa sinceridade com os outros. Para nos aceitarmos como somos e para sermos sinceros com os outros numa relação de uma certa verdade, temos de ter um certo grau de amadurecimento e por vezes confunde-se a arte de vanguarda com esse lado dos fingimentos.



“A Máscara e o Tempo” está patente na Galeria Ratton (Rua da Academia das Ciências, 2C) até 31 de Janeiro. Aberta de segunda a sexta das 10.00 às 13.00 e das 15.00 às 19.30. A entrada é gratuita.

in Time Out



Graça Morais expõe inspiradas pinturas "na passagem do tempo"


 II Auto-Retrato?, Aguarela, tinta-da-china e sépia sobre papel , 2009

A pintora Graça Morais vai mostrar 42 obras criadas este ano, inspiradas "na passagem do tempo" e "no isolamento das populações e abandono dos campos", numa exposição a inaugurar quarta-feira, na Galeria Ratton, em Lisboa.

Em declarações à Agência Lusa sobre a revelação de novos trabalhos, a artista plástica explicou que neles fala "da lentidão do tempo nos campos, por oposição à velocidade das telecomunicações e dos transportes nas cidades".

São "pequenas" pinturas a sépia e aguarelas, e também desenhos a carvão e grafite, em grande parte criados no campo, e também um diário desenhado no atelier em Lisboa.

Graça Morais, 61 anos, licenciada em pintura pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto, nasceu em Vieiro, Trás-os-Monstes. Divide o seu trabalho entre aquela região e a capital, onde possui outro atelier.

Nesta exposição, intitulada "A Máscara e o Tempo", "há um regresso ao campo, que não é de todo nostálgico, é o contrário. - afirma - É partir desse espaço que faço uma reflexão sobre o mundo que me cerca".

As obras mostram rostos, tubérculos, bichos, nos quais se revela "uma metamorfose do tempo".

Por detrás destas pinturas e desenhos da artista há emoções fortes: "Pintei muito no campo, e apercebi-me do abandono, da desertificação, do envelhecimento das populações. Tudo isso me angustia imenso", confessa.

"Toda a minha pintura tem muito a ver com o lugar", resumiu a pintora e ceramista, que já ilustrou livros de José Saramago, Sophia de Mello Breyner Andresen e Miguel Torga, entre outros escritores.

"O que faço é uma representação figurativa, mas que resulta de emoções e estados de consciência, em relação a um espaço e a pessoas que observo no dia a dia", apontou.

Prefere trabalhar com carvão e pastel "porque há uma relação muito forte e imediata" com estes materiais.

"Consigo exprimir-me com mais rapidez, o que me agrada muito mais", comentou a artista, cuja obra está representada em colecções particulares e museus, entre outros, na Assembleia da República, na Fundação Calouste Gulbenkian, Culturgest, Fundação de Serralves e no Museu de Arte Moderna de São Paulo, no Brasil.

A exposição "A Máscara do Tempo" inaugura quarta-feira na Galeria Ratton, em Lisboa, pelas 22:00, onde permanecerá até final de Janeiro de 2010.


in Diário de Notícias/Lusa

Citação: Lei da intermitência é assunto urgente

Se Gabriela Canavilhas "aceitou o cargo [de ministra da Cultura] é porque quer trabalhar, dar uma volta à cultura", defende Graça Morais. O carimbo de urgente coloca-o na lei da intermitência. "Os artistas, quando ficam sem trabalho, passam por situações de grandes dificuldades. É preciso, que tal como acontece com outros profissionais, também tenham direito a subsídio de desemprego", afirma. É com optimismo que refere uma reunião com José Sócrates em que o primeiro-ministro prometeu dar mais apoio à cultura nesta legislatura do que na anterior.

in Diário de Notícias



Graça Morais inaugura hoje 'A Máscara e o Tempo'


Assim que se entra no número 2C da Rua da Academia das Ciências, em Lisboa, é-se transportado para o universo de Graça Morais. Uma cabra no meio do campo, a sépia, "sentada, à espera com todo o tempo do mundo", explica a pintora, dá início à mais recente exposição da pintora, que hoje se inaugura, às 22.00, na Galeria Ratton.

por MARINA MARQUES

A escolha não foi feita ao acaso. "Uma cabra ou um rebanho é uma das imagens mais bonitas que vejo quando ando a passear", revela a artista. E representa ainda outra realidade que a artista coloca em evidência no conjunto dos 42 trabalhos da exposição, todos realizados este ano: "uma grande reflexão sobre o tempo longo e lento do campo", nas palavras da própria Graça Morais, "um universo contrário à cidade, ao tempo da cidade".

Na segunda sala, uma série de desenhos a carvão revela a metamorfose provocada pelo tempo, "tanto nas pessoas como nas batatas". A pintora explica o porquê desta metáfora: "Faço uma grande analogia entre as batatas, quando começam a grelar e as deitam fora, e as pessoas quando começam a envelhecer, e que aparentemente deixam de ser úteis. Mas tal como eu recupero as batatas, enrugadas e greladas - são as minhas naturezas vivas -, também as pessoas têm outra vida, podem ser 'usadas' de outra maneira".

Na terceira sala, destaque para um diário com sete desenhos, feitos no mesmo dia, "onde estão registados as horas e os minutos em que foram feitos", refere. E os textos, alerta, nada têm a ver com os desenhos. "São sentimentos muito rápidos do que sinto naquele momento, por vezes até com raiva", diz.

Apesar do carácter autobiográfico dos diários e de representarem uma grande exposição perante o público, Graça Morais deixa a promessa de um dia fazer uma mostra só com diários. "Acho que o artista tem a sorte de se poder exprimir livremente e ao mesmo tempo comunicar com as outras pessoas. Quando faço estes desenhos não os posso guardar em pastas, preciso de os mostrar, porque tenho imenso prazer em que haja muitas pessoas a vê-los, gostem ou não", afirma.

Enquanto a prometida exposição não chega, alguns desses diários podem ser vistos no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança, de onde é natural. Esta ligação ao centro não a deixou pintar tanto como gostaria durante o último ano, mas a artista considera que "está a ser muito compensadora". "É a grande oportunidade que me deram de ser útil à sociedade e de dar àquela região aquilo que dela recebi em termos de valores, como pessoa", diz.

A exposição pode ser visitada até 31 de Janeiro, de segunda a sexta, das 10.00 às 13.00 e das 15.00 às 19.30.

in Diário de Notícias


Breve : “Arte Partilhada Millennium BCP”

Millennium artístico:  No dia 17, inserido nos Encontros Millennium, é inaugurado pelas 18 horas a exposição “Arte Partilhada Millennium BCP” no Museu de Arte Contemporânea do Funchal, no forte de São Tiago. A exposição conta com uma mostra de pintura com trabalhos de 41 artistas de destaque, como Júlio Pomar, Bordalo Pinheiro, Paula Rego, Eduardo Nery, Graça Morais, entre outros.


in Jornal da Madeira